A gelatina é uma proteína extraída de matérias-primas derivadas de animais. É obtida através da hidrólise parcial do colágeno, a proteína mais abundante no mundo animal, com altas concentrações presentes nos tecidos conectores conectivos. É composta por dezoito aminoácidos, oito dos quais considerados essenciais. Como polímero polidisperso, a gelatina exibe muitas propriedades e funções úteis em aplicações farmacêuticas e médicas.
1834
A cápsula de gelatina foi inventada em 1834 por François Mothes(I), um jovem farmacêutico radicado na França. Nessa altura, os médicos tinham dificuldade em fazer com que os pacientes seguissem suas recomendações porque muitos medicamentos tinham um formato de pó ou líquido com sabor desagradável. Outro problema era conseguir a medida certa em cada dose. Por isso, Mothes arranjou um método através do qual encapsulava uma dose exata de medicamento em um revestimento fino de gelatina líquida quente que endurecia após o resfriamento. Depois de preenchida cheia com o medicamento, a cápsula seria engolida sem se sentir o sabor e dissolveria à temperatura ambiente e, assim, liberava o ingrediente ativo.
1847
A cápsula de gelatina depressa passou a ser usada em todo o mundo. Em 1847, a primeira cápsula dura de gelatina de duas partes foi inventada por James Murdock, um inventor de Londres(II). Este novo desenvolvimento permitiu que os fabricantes de medicamentos encapsulassem formas em pó de medicamentos.
1894-1897
No fim do século XIX, a América se tornou líder mundial no desenvolvimento de cápsulas de gelatina(III). Entre 1894-1897, a empresa farmacêutica americana Eli Lilly criou sua primeira fábrica de produção de cápsulas para a produção da recentemente desenvolvida cápsula dura de 2 partes de fechamento automático.
1915
Os substitutos do plasma são uma solução coloidal usada para substituir um volume sanguíneo e restaurar a pressão arterial durante emergências médicas.
Em 1915, o Dr. James Logan foi a primeira pessoa a administrar com sucesso um substituto do plasma à base de gelatina por via intravenosa(V). Este desenvolvimento passou praticamente despercebido no período entre guerras, durante o qual outras soluções coloidais, como a goma arábica, foram usadas. Estas soluções coloidais sem gelatina eram eficazes como expansores de volume, mas demasiado arriscadas para o paciente.
1940-1952
Foi só com a 2ª Guerra Mundial que o desenvolvimento dos substitutos do plasma à base de gelatina foi retomado. Vários testes clínicos na década de 1940 revelaram que a gelatina tinha o potencial de ser um substituto do plasma eficaz, muito mais seguro do que outras soluções coloidais. Este potencial foi percebido em 1952, quando a gelatina succinilada (uma nova geração de gelatina quimicamente modificada) foi inventada.
1962
Este desenvolvimento permitiu que os cientistas criassem uma gelatina aperfeiçoada com alto peso molecular e baixa em viscosidade, ideal para substitutos do plasma. Dez anos mais tarde surgiu o desenvolvimento de gelatina com pontes de ureia a partir de uma modificação química que envolve a reticulação de polipeptídeos(VI).
1940
A palavras hemostático deriva de hemostasia, o processo biológico de estancar e impedir hemorragias. Assim, um produto hemostático é um dispositivo médico usado pelos cirurgiões para estancar hemorragias e facilitar a cicatrização durante e após procedimentos cirúrgicos.
Os primeiros produtos hemostáticos à base de gelatina foram desenvolvidos na década de 1940. Até então, os produtos hemostáticos eram criados a partir de uma combinação de plasma humano e trombina bovina, sendo ambos difíceis de purificar. Esta falta de pureza significava que os pacientes tinham um maior risco de infeção.
Os cientistas na década de 1940 começaram a usar agentes hemostáticos à base de gelatina na criação dos produtos hemostáticos. A gelatina foi uma excelente escolha: não só tinha as propriedades funcionais e físicas certas como também tinha potencial para níveis superiores de pureza e, por isso, maior segurança do paciente(VII).
A gelatina é usada como um excipiente na produção de cápsulas duras e moles. Tem custos de produção mais reduzidos, menos complexidades de fabricação e mantém excelentes taxas de dissolução do ingrediente farmacêutico ativo (IFA). Também ajuda a proteger ingredientes sensíveis do oxigênio, da luz, do crescimento microbiano e de outras formas de contaminação.
A gelatina farmacêutica oferece várias vantagens técnicas sobre os excipientes não gelatinosos, como HMPC para cápsulas duras e amido modificado para cápsulas moles. Além disso, é o único excipiente sem número com E. Por isso, é considerada um ingrediente natural de acordo com a especificação técnica da ISO sobre definições e critérios técnicos (ISO/TS 19657:2017).
Comprimidos
Normalmente, são usados dois tipos de gelatina como aglutinantes em comprimidos:
- não gelificante
- Gelificante
A gelatina gelificante é usada após a granulação do pó através de compressão. Possui maior força de gel que confere coesão, resistência e dureza aos comprimidos. A alta força de gel também significa que tem uma taxa de desintegração mais longa.
A gelatina não gelificante é usada na compressão direta. Tem uma capacidade aglutinante inferior que torna os comprimidos mais fracos. Contudo, tem uma taxa de desintegração rápida, o que significa que o paciente pode se beneficiar dos efeitos do medicamento muito mais depressa.
Substitutos do plasma sanguíneo
A gelatina hidrolisada é um componente importante dos substitutos do plasma, uma classe de formulação parenteral conhecida por expansor de volume. Quando altamente purificada com baixo nível de endotoxina, pode ser usada para expandir temporariamente o volume sanguíneo durante emergências médicas.
É o ingrediente ideal:
- Altamente biocompatível
- A viscosidade e o comportamento molecular são muito semelhantes ao plasma sanguíneo.
- Prazo de retenção baixo (especialmente quando comparada com alternativas de amido).
- Não se acumula no organismo e é biodegradável.
- Permanece estável durante o ciclo de vida do produto.
A gelatina hidrolisada usada em substitutos do plasma exige uma modificação especial. Há dois tipos principais de gelatina modificada usada em substitutos do plasma:
- Gelatina succinilada. Este é o tipo mais comum. Tem maior compatibilidade com o organismo.
- Gelatina com pontes de ureia. Modificado pela reticulação de polipeptídeos. Tem uma taxa de difusão mais lenta
Produtos hemostáticos à base de gelatina
A gelatina é um agente hemostático amplamente disponível usado por cirurgiões para minimizar a perda de sangue durante uma cirurgia. Os produtos hemostáticos à base de gelatina costumam ser feitos com gelatina derivada de colágeno porcino (pele de porco) e têm a forma de esponjas, faixas, pó e nanofibras.
Os produtos hemostáticos à base de gelatina conseguem absorver mais de quarenta vezes seu próprio peso, tornando-os ideais para criar um coágulo sanguíneo artificial e estancar o fluxo sanguíneo. Quando combinados com trombina, os produtos hemostáticos à base de gelatina também podem ajudar na formação de coágulos sanguíneos.
Como a gelatina é altamente biocompatível, as esponjas de gelatina podem ser deixadas no organismo e se dissolverão naturalmente. Algumas destas aplicações in vivo exigem taxas de dissolução específicas, por isso as esponjas de gelatina podem ser configuradas especialmente para suprir necessidades individuais.
Plugs femorais
Os plugs femorais são um dispositivos usados na substituição do quadril. Pode ser usada gelatina purificada em plugs femorais com um plastificante para uma forma mais elástica. São usados para facilitar a troca da prótese. Também protegem os tecidos de reações exotérmicas quando o gesso endurece. Alta biocompatibilidade, baixa imunogenicidade e alta biodegradabilidade significam que é absorvida pelo organismo.
A medicina regenerativa é uma combinação entre biologia molecular e engenharia de tecidos. O objetivo é usar as células do próprio paciente para reparar e regenerar os tecidos doentes ou com lesões.
Neste campo, a gelatina é um biomaterial útil que imita a matriz extracelular e facilita o crescimento celular. Também ajuda a melhorar a viabilidade celular. A gelatina usada na medicina regenerativa precisa ser altamente purificada para garantir uma presença mínima de endotoxinas e pirogêneos. Isto garante o desempenho máximo e a segurança do paciente.
A gelatina é uma proteína solúvel obtida através da hidrólise parcial do colágeno derivado de ossos, couros e peles de animais (principalmente bovinos vacas, suínos porcos e peixes). Para extrair gelatina, o colágeno nativo é solubilizado através de tratamento ácido, alcalino ou enzimático e, em seguida, é fervido em água.
Para que a gelatina seja considerada de grau médico-farmacêutico precisa cumprir determinados padrões:
Controle de Qualidade e Rastreabilidade
Os testes, controle e rastreabilidade total são importantes: seleção cuidadosa de matérias-primas e fornecedores, coleta e transporte céleres e testes e controle rigorosos de matérias-primas para garantir uma qualidade e segurança perfeitas.
Especificações técnicas
A gelatina precisa cumprir as especificações descritas na farmacopeia:
- amplitude da força de gel
- intervalo de pH
- condutividade
- perda quando seca
- teor de zinco
- teor de crômio
- limites microbiológicos
Compatível com as BPF
A gelatina precisa ser produzida de acordo com as boas práticas de fabricação (BPF) adequada a sua aplicação prevista (ex.: excipiente, matérias-primas para dispositivos médicos, engenharia de tecidos, etc.). O processo é auditado por empresas farmacêuticas.
Ajudaremos você a acompanhar os regulamentos e diretrizes em todo o mundo.
Adaptações Especiais
As matérias-primas para dispositivos médicos e outras aplicações específicas (parentéricas, medicina regenerativa, cultura celular, etc.) podem ter requisitos adicionais, dependendo da aplicação final, como estudos adicionais de inativação de vírus, livres de endotoxinas / pirogêneos e livres de micoplasma.
A gelatina é um polímero polidisperso que tem um conjunto único de funcionalidades e propriedades que a tornam adequada a uma ampla variedade de aplicações.
Principais Propriedades da Gelatina:
Termo reversível
A gelatina de grau de gelificação é termo reversível, ou seja, tem uma capacidade de fixação e fusão reversível a uma temperatura entre 25 °C e 32 °C (solução de gelatina a 10%). A temperatura de transição exata depende do tipo e da concentração da gelatina usada, o que a torna um material versátil que pode ser usado em diferentes aplicações que necessitam de diferentes temperaturas de fusão.
Bloom (Força de gel)
O valor do bloom da gelatina de grau de gelificação determina a firmeza dos produtos gelificados. Uma gelatina hidrolisada não tem capacidade de formação de gel, por isso tem um valor bloom de 0.
Biocompatibilidade
Como proteína natural, a gelatina oferece alta biocompatibilidade e é bem tolerada pelo corpo humano.
Ponto de Fusão da Temperatura Corporal
A gelatina derrete à temperatura corporal, o que a torna perfeita para aplicações médico-farmacêuticas que exigem metabolização.
Outros motivos
Apoia um Rótulo Limpo
Atualmente, o mundo está observando uma maior demanda por produtos produzidos com materiais seguros de origem natural. Há também um maior impulso para aumentar a segurança do paciente. A gelatina cumpre essas exigências.
Origem Natural (VIII)
A gelatina é uma proteína que surge naturalmente extraída de colágeno animal.
Segura
A gelatina é considerada não alergênica (exceto em casos raros de alergia à carne). Também é geralmente Reconhecida como Segura (GRAS) pelo FDA.
Controle de Qualidade
A gelatina é um excipiente estável e seguro com excelentes propriedades físicas e químicas. O processo de produção de gelatina farmacêutica cumpre requisitos rigorosos de processamento farmacêutico nacionais e internacionais.
Com um historial de dois séculos, a gelatina teve um papel muito importante na evolução médica e farmacêutica. Pense em todas as vidas que foram e continuam sendo salvas graças aos produtos hemostáticos e substitutos do plasma. Atualmente, consideramos esses dispositivos médicos garantidos. Mas, em determinada altura, tiveram de ser inventados e melhorados - a gelatina tornou isso possível.
Inevitavelmente, quando olhamos para o futuro, vemos que a gelatina continuará sendo uma parte importante da inovação médica. As tecnologias médicas que só existiam na imaginação dos escritores de ficção científica estão se tornando realidade. O futuro tem muitos desenvolvimentos entusiasmantes, especialmente no campo da medicina regenerativa, onde os cientistas estão aprendendo a criar células e a reparar órgãos. Quem sabe, um dia a gelatina terá um papel na criação de novos órgãos a partir de seu DNA.
Se você quer ter mais informações sobre a ciência da gelatina, entre nestes recursos.
Referências:
(I) Pharmaceutical Capsules (2nd ed., p.2)
(II) Modern Pharmaceutics (4th ed. p.513)
(III) Pharmaceutical Capsules (2nd ed., p.11)
(IV) Traveling Through Time: A Guide to Michigan's Historical Markers (p.483)
(V) https://jamanetwork.com/journals/jama/article-abstract/440081
(VI) https://onlinelibrary.wiley.com/doi/pdf/10.1111/j.1365-2044.1987.tb05376.x
(VII) https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2978438/
(VIII) Gelatin is considered as a natural ingredient in accordance with the ISO technical specification on definitions and technical criteria (ISO/TS 19657:2017). "